terça-feira, 20 de maio de 2014

Ballad Of a Thin Man - I

É uma terça de manhã. A cidade acorda e segue seu ritual matinal, levando o seu rebanho para a labuta. Pontos de ônibus começam a receber convidados. Passageiros tomam seus assentos no metrô e o centro da cidade dá indícios de parecer como um formigueiro desperto.

Mas ele está diferente. Levanta, toma seu café, pão com requeijão, e sai de casa. No começo é engraçado: o porteiro olha meio de lado, solta um riso, acha graça, mas não entende. O jornaleiro ri e grita algo que não faz sentido, mas ele continua o seu caminho. No ônibus, a reação é de susto - quem deixou ele entrar? - mas ninguém lhe toma a palavra, muito menos chega perto. No metrô, os seguranças correm atrás mas o perdem de vista. Ele então entra no vagão de trem e senta em um assento vago, ao lado de uma senhora muito cansada para se dar conta do que acontece.

Até que, em um solavanco habitual do trem, ela acorda e dá um grito - Ele tá pelado! Quem ainda não havia saído do estado zumbi percebe agora o que a senhora de voz aguda está dizendo e, incrédulos, vêem o nosso amigo ali sentado, como Deus o pôs no mundo. Ele não liga. Aliás, ele não percebe. Ele continua. Sai do metrô corriqueiramente, sobe as escadas e dá de cara com aquele sol forte, sempre a ofuscar seus olhos nesse momento do dia.

Uns o olham com desgosto, outros viram a cara - que cena desagradável! Um transeunte comenta: era só o que me faltava. Mais um louco varrido nas ruas do centro, dizem. Mas a cabeça dele está em outro lugar, não lhe parece ter nada errado. Ele prossegue. Chega no seu prédio, passa o cartão que se encontra pendurado no pescoço, pega o elevador. Chega no seu andar, dá bom dia para a recepcionista e entra no salão. Liga o seu computador, desce até a copa para pegar seu café com sua caneca da última viagem e volta para sentar no seu trono. Mais um dia começa.
---

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A solução está no Wi-Fi

O mundo é sempre fascinante visto de uma outra perspectiva.

Acordamos de manhã, esperando aproveitar o dia. Pulamos da cama descobrindo que estamos atrasados para a entrega de um trabalho. Em um dado momento, estamos tomando café e planejando estudar. Logo depois, a nossa cabeça gira, sufocada pela pressão da meia hora de estudos, rezando por um escape.

Depois de dois filmes e pouca informação acumulada no dia, procuro algo para me entreter às 2 da manhã de uma quarta chuvosa. Deparo-me com um daqueles MMORPG's. A vida real cibernética. Talvez seja essa a solução para preencher o vazio da minha alma. 

Posso me tornar o maior Gnomo que já existiu em uma terra prá lá de distante (depois da Terra-Media, perto de Hogwarts). Com a espada que definhou o último Mago-de-capa-roxa (espécie do gênero magus maldosus) na mão, talvez minhas preocupações fiquem de lado, e eu acabe encontrando a princesa Avatar e tenha alguns Smurfs enfim.

Até que seria prazeroso destruir com todos meus inimigos imaginários em grandes lutas. Provavelmente teria que arranjar alguns inimigos, para começo de conversa. Mas isso não seria problema. E todos eles sofreriam. Disso eles podem ter certeza.

Andaria feliz por esse vasto espaço em html, procurando novos desafios e novas atualizações de software para me tornar cada vez mais poderoso. Minha mãe ficaria orgulhosa.

O único problema seria se a internet caísse. Creio que se o jogo não fosse salvo a tempo, poderia perder metade dos meus corações, do meu novo escudo, sem contar com a minha compostura: gritaria feito um louco. Pro que eu recorreria? Existe vida fora da bolha? E as noites sem dormir que passei aqui? 

Não, não. Talvez MMORPG's não sejam pra mim. Minha obsessão compulsiva iria tomar conta de todos os meus dias, e não só de alguns dias da semana. Prefiro continuar assim, atrasado nos estudos. Por falar nisso, amanhã eu prometi recomeçar a estudar. E dessa vez é sério: se passar ainda esse ano poderei ir para China, conhecer o maior muro do mundo, estrutura militar feita pelo imperador Quin Shihuang, da dinastia Chin, construida entre o Mar Amarelo, o Deserto de Góbi e a Mongólia...


Boa noite.


domingo, 29 de abril de 2012

O que lhe pertuba

São três conhecidos, cuja relação beira o exótico. Você se apaixona pela mulher do trio. Paixão talvez seja um termo forte demais para uma atração que se baseia no físico e no desconhecido. Sentimento esse que te leva a atravessar um bairro inteiro (digamos, 6 quadras) para estar com essa garota. Mesmo que seja por um momento, sentado na praia, observando, digamos, um clube cheio de pessoas, e reclamando sobre a vida simples e glamurosa que essas almas têm.

O estar na companhia certa lhe produz uma sensação agradável. Você percebe que está no lugar certo, mesmo que seja compartilhando esse momento com um dos outros conhecidos; e na hora certa, ainda que a sede lhe tome os lábios e a garganta enquanto permanece deitado.

Então...
Talvez fosse melhor parar aqui e acordar de um sonho minimamente curioso.
Mas a vida não é feita de momentos perfeitos. E, aparentemente, nem o sonho é.

Então ocorre o oculto. O exótico. O trio se refaz e resolve pôr em prática uma atividade fora do comum. A sua presença não é mais bem-vinda, mas também não lhe é posto para se retirar. Você permanece. Tensão no ar.

O homem que se encontrava ausente na praia inicia um ritual de sofrimento. A imagem se torna turva. A amada se ajoelha e recita uma espécie de mantra. Tudo aquilo te deixa inquieto, mal. O ritual continua e, mesmo sem enxergar, aquele sofrimento te parece maior. Parte daquele homem está se esvaindo. Esvaziando.

O terceiro homem, o da companhia não querida na praia, desaparece.

Depois de muita aflição. O ritual e a reza terminam.
Os dois presentes se aproximam para se abraçar. E a sua paixão, que já perdeu esse título, abre não dois, mas intermináveis números de braços para esse momento esperado. Entretanto, o abraço não se concretiza. Aquele que sofria não está mais entre nós. Desaparece antes de ser tocado. Berros. Horror. Como se tudo tivesse sido em vão. A mulher não acredita, se desespera. E você continua inexplicavelmente parado, analisando o que sucede.

A imagem volta. Você continua na praia. O sol se põe e a amada continua ali, digna de sua condição: bonita, sensual, olhando para você, como estivesse pedindo para ser dominada e levada até o mais profundo prazer humano.

Subitamente, você acorda. Com uma estranha sensação de que aquelas vozes eram reais. Ainda que não se lembrasse de nenhum diálogo.

Qual o seu diagnóstico, doutor?